Ultimamente a gente tem visto mais e mais mulheres que deixaram de se depilar, não é mesmo? No ônibus, na fila do banco, nas fotos das redes sociais, enfim, por todo o lugar é possível encontrar pessoas livres dos padrões da depilação. Você já viu uma axila cabeluda por aí? Isso causa estranhamento para muita gente e nós precisamos conversar sobre o por quê!
O número de feministas que não se depilam é cada vez maior e, com isso, esse hábito – ou a falta de um hábito, na verdade – passa a se naturalizar. Assim, mais mulheres estão aderindo a esse estilo de vida.
Tem quem torce o nariz diante dessa ideia: afinal se depilar é uma “escolha pessoal”, ou ainda, “questão básica de higiene” nas palavra de quem defende esse hábito. E vamos esclarecer algo desde o início: não existe certo ou errado! Cabe à cada um decidir o que é melhor para o seu corpo.
No entanto, vamos discutir: o quanto será que essas escolhas pessoais são realmente pessoais? O quanto essa questão de higiene é realmente válida? E, principalmente, o quanto essas ideias foram influenciadas pelo patriarcado e pelo capitalismo?
Para entender todos esses questionamentos, vamos primeiro compreender desde quando o hábito da depilação permeia a história da humanidade.
A construção do corpo “lisinho” como sinônimo de feminilidade
Nós sabemos que a dualidade entre os corpos femininos e masculinos, construída de forma contrastante, vem de muito tempo. Há séculos a humanidade enxerga os corpos tidos como masculinos os fortes, musculosos e de certa forma “selvagens”.
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Enquanto isso, os corpos tidos como femininos são os magros, delicados, cheios de curvas, bem cuidados e lisinhos: sem pelos repugnantes e asquerosos em qualquer parte. Toda essa linha de pensamento é proveniente de uma construção histórica!
Surgimento da depilação
Olhando para os registros históricos, desde o Egito Antigo, é possível encontrar as representações de homens, mulheres e crianças sem pêlo corporal algum (inclusive carecas!) – na época, não ter pêlos era ligado à classe social. Desde então já existiam cremes específicos ou aparelhos utilizados para removê-los.
Se hoje a gente chama de liso quem não tem dinheiro, antigamente era o contrário: eram as pessoas que tinham um status econômico que davam adeus à todos os pelos corporais.
Essa ideia se arrasta historicamente do Egito até a Grécia Antiga, o Império Romano e chega ao período renascentista. No ocidente, a depilação era associada em diferentes lugares à classe social ou à religião da pessoa.
Nas pinturas renascentistas, como n’O Nascimento de Vênus, de 1485, a figura divina, deusa do amor e da feminilidade, é representada de maneira sensual, cheia de curvas e sem pêlo algum.
Ou seja, desde muito antigamente os parâmetros construídos em volta do corpo feminino são padrões altos, difíceis de se atingir e de aparência impecável, muito longe da naturalidade e diversidade encontrada nos corpos “de verdade”.
A gillette feminina
Foi no final do século XIX, com a comercialização das lâminas de depilação, que o hábito passou a ser associado com a higiene.
Os aparelhos barbeadores, como conhecemos hoje, surgiram naturalmente como algo voltado exclusivamente para o público masculino, isso por volta da década de 1820. Com o passar dos anos o mercado de barbeadores percebeu que não explorava ainda metade da população mundial.
E foi assim que, na década de 1920, surgiu o primeiro modelo de gillette feminina. E como é natural do modelo capitalista, para vender esses produtos foram criadas necessidades. Os primeiros anúncios publicitários já colocavam em evidência o aparelho como solução para se livrar dos pêlos definidos como “asquerosos” e “repugnantes” das pernas, da virilha e das axilas.
Assim, foi fortalecida no senso comum a ideia de que a remoção dos pêlos corporais – principalmente dos femininos – é uma questão indispensável para a manutenção da higiene pessoal.
O papel da indústria pornográfica
Por fim, o hábito de mulheres depiladas foi fortalecido, ainda, pela indústria de filmes pornôs.
Com o acesso facilitado à internet cada vez maior, o consumo de pornografia também aumentou consideravelmente – principalmente pelos homens. Até porque esses vídeos são feitos pensados no prazer deles.
Nesses filmes, a forma com que o corpo feminino é retratado, novamente com grandes curvas, com muita magreza, pele lisinha e sem pêlo algum, se estabeleceu como o corpo feminino padrão esperado por muitos homens.
Isso já foi discutido aqui no blog: a pornografia é perigosa e pode atrapalhar muito a vida sexual de muita gente! Afinal o vício em pornografia afeta o desempenho de quem espera encontrar na vida real os corpos idealizados encontrados nos filmes pornôs.
Um corpo diferente dos representados por essa indústria não é um corpo sexy e desejável.
Portanto, essa expectativa é colocada sobre os corpos das mulheres que, normalmente, precisam fazer dieta, usar maquiagem, vestir roupas específicas, se depilar e fazer inúmeras coisas no sexo que não lhe dão prazer apenas para satisfazer as expectativas dos homens.
O contexto atual e as feministas que não se depilam
Agora que entendemos todo o histórico desse hábito, a construção da imagem da mulher depilada como a mais feminina e as influências que a pornografia teve sobre as expectativas que são postas sobre os corpos femininos, podemos voltar para o assunto principal desse post: as feministas que não se depilam.
Para falar sobre isso, vamos levantar uma questão importantíssima de ser entendida: o que é o feminismo? Acima de tudo, precisamos ter clareza de que o feminismo não é o contrário do machismo!
O feminismo está ligado, principalmente, ao empoderamento e à emancipação das mulheres inseridas no modelo patriarcal e capitalista que vivemos há muito tempo.
Dentro desse modelo, diversas imposições e limitações foram determinadas às mulheres e, principalmente, aos corpos femininos. Hoje, com a voz conquistada pelo movimento feminista, é possível ver que tais limitações não fazem nenhum sentido.
Dessa forma, pode-se enxergar o movimento feminista como o que ele realmente é: a luta pela conquista de voz dentro de uma sociedade patriarcal para, entre outros avanços, libertar as mulheres e seus corpos de padrões estabelecidos pelos homens e pela indústria.
Por que feministas não se depilam?
Olhando de forma crua e simplistas, o que realmente é a depilação? Para as feministas que preferem não se depilar, esse é apenas mais um ritual de feminilidade (como a maquiagem, o alisamento dos cabelos ou o uso do salto alto) que exerce controle social sobre o corpo feminino.
Um ritual que é, para algumas mulheres pode ser torturante. A cera quente, a irritação do corte feito pela lâmina ou os cremes agressivos acabam por agredir diferentes tipos de pele, a depilação, que poderia ser uma maneira opcional de autocuidado, acaba sendo uma sessão extra de tortura!
O fato de uma pessoa se depilar ou não pode parecer um assunto irrelevante, já que essa é uma escolha que cada uma faz sobre seu corpo. Então por que tornar essa uma pauta feminista?
O ponto mais importante dessa discussão no feminismo é, na verdade, o motivo que leva as mulheres a se depilarem: realmente é questão de higiene? Corpos com pelos são mesmo feios? Ao longo deste texto é possível notar que, na verdade, as mulheres foram ensinadas a pensar dessa forma.
Se conhece alguém que segue esse estilo e deixou de se depilar há algum tempo, que tal conversar com ela e entender como foi esse processo e como ela se sente hoje em dia? A maioria dessas mulheres dizem se sentir mais livres, desapegadas de rituais que para elas não fazem mais sentido!
Se depilar é um ato antifeminista?
Mito! Não existe a maneira específica de ser feminista: o feminismo não é uma caixinha ou um padrão de comportamentos que as mulheres precisam seguir. Muito pelo contrário! O feminismo luta justamente para que as mulheres tenham liberdade de escolha.
Se a sua opção é se depilar, vá em frente! Você é livre para isso. No entanto, com essa pauta em mente, se questione: você realmente se depila porque você quer? Você se depila para ficar mais bonita? Para quem? Para si mesma ou para os outros?
Com esse post, a Dona Coelha quis explicar um pouquinho dos motivos que leva essa a ser uma pauta feminista e trazer reflexão para as mulheres sobre as influências externas que mantêm controle sobre seus próprios corpos.
Agora queremos ouvir de você: qual a sua opinião sobre se depilar ou não? Deixe-a aqui nos comentários. Vamos adorar ouvir outras vivências e opiniões que podem agregar em muito com essa discussão!
Se gostou desse post, continue em nosso blog: temos uma categoria específica para tratar de diversas desconstruções, confira!
Reflexões pertinentes. Nossos corpos são construções históricas. Hábitos de higiene são construções também baseadas em culturas, necessidades e avanços científicos. Prefiro, ainda, depilar partes do corpo, mas uso aparelho de barbear. Não gosto de sentir dor. Obrigada pelo texto!
Não entendo minha filha. Quando vi ela estava com as axilas cabeludas. Fiquei chocada, mas ela não deu s mínima. Não se rendeu aos meus apelos. Não se depilou. O que isso significa? Ela é bissexual e eu não consigo aceitar. É por isso?
Oi Yolanda, sua filha está apenas está se expressando. É um direito dela :)
Essa expressão não tem relação com a orientação sexual.
Cada um faz o que quer com o seu corpo, mas a minha preferência é uma mulher lisinha, cheirosa e bem higiênica. Acho desnecessário os excessos feministas, vocês não precisam provar nada pra ninguém. As vezes o maior preconceito vem de cada um de nós.
Se não precisamos provar nada, por que a sua preferência?
Tenha certeza que a higiene que você diz, a MAIORIA dos homens não faz. Não sou eu quem está dizendo, mas a estatística de câncer de pênis que atingiu 10 mil brasileiros nos últimos 5 anos. O motivo do câncer na maior parte está associado a uma higiene ruim.
Fora isso, depilação não é sinônimo de higiêne ou de saúde. No feminismo não estamos falando de execessos, nem de tirar diretos dos homens, estamos falando de diretos iguais.